Critica do filme À Beira do Caminho

 

Verificando a filmografia de Breno Silveira, vemos que se trata de um realizador que não se furta em explorar o lado emotivo de seus trabalhos. Depois de comandar os eficientes “Dois Filhos de Francisco” e “Era Uma Vez”, o cineasta agora chega com “À Beira do Caminho”, filme que mantém o bom nível que vem apresentando em sua carreira.
 
Outra constante nas obras de Silveira é a importância da musicalidade em suas obras, não sendo esta mais recente uma exceção, com as músicas de Roberto Carlos servindo de escada para a história. A trama, escrita pela colaboradora habitual do diretor, Patrícia Andrade, nos apresenta ao caminhoneiro João (João Miguel), homem que, após uma tragédia em seu passado, abraçou a amargura e a solidão como suas únicas companhias.
 
Certo dia, um menino chamado Duda (Vinícius Nascimento) entra clandestinamente na caçamba do caminha de João. Órfão de mãe, o garoto quer ir para São Paulo conhecer seu pai, única família que lhe restou no mundo. Aos poucos, uma amizade improvável entre os dois acaba surgindo e abre uma porta para que João possa, finalmente, encarar os fantasmas de seu passado.
 
A fita adota uma estrutura de road movie diferenciada, tendo em vista que os protagonistas pouco interagem com os habitantes dos locais onde param, exceto quando estes possuem importância fundamental para a história de João ou Duda. Não esperem, portanto, ver figuras pitorescas do interior brasileiro aparecendo a cada dez minutos. O foco da produção jaz nos conflitos internos de João e como estes são despertados e espelhados pela relação paternal que surge entre ele e Duda. Nisso, a química entre os atores João Miguel e Vinícius Nascimento é um dos motivos pelo qual o longa realmente funciona.
 
Assim como em seus filmes anteriores, Silveira se mostra um ótimo diretor de atores, fazendo com que estes reajam de maneira extremamente natural um ao outro. Deste modo, compreendemos imediatamente a ligação entre os personagens principais, haja vista que fica clara a necessidade dos dois de preencherem os vazios deixados pelas tragédias que ocorreram em suas vidas.
 
Por mais que o trabalho do pequeno Vinícius seja admirável, o grande destaque do filme é mesmo João Miguel. O ator se sai muito bem compondo um personagem complicadíssimo, especialmente nos primeiros minutos do filme, onde ele e o diretor estabelecem o caráter solitário de João sem praticamente um diálogo.
 
Os flashbacks do passado de João surgem no momento em que precisam aparecer, tendo em vista que se sua história fosse contada cedo demais, poderia gerar certa antipatia do público para com o personagem, funcionando ao mostrar a verdadeira causa de seu isolamento. Destaque para a diferenciação que o ator faz na interpretação de João nessas duas linhas narrativas, especialmente em sua postura e voz.
 
Dira Paes tem uma boa e curta participação na obra, embora sua Rosa suma sem grandes cerimônias em dado ponto da projeção e a personagem poderia muito bem ser relegada apenas aos flashbacks. Ângelo Antônio também faz uma marcante quase-ponta como o pai de Duda, Afonso.
 
A montagem do longa, feita por Vicente Kubrusly, é quase perfeita, pecando apenas em um certo diálogo um pouco mais truncado. No restante da fita, Kubrusly não só acerta nos já citados flashbacks, como ainda se utiliza das placas dos caminhões que João encontra em seu caminho quase como títulos para pequenos capítulos da história, em um curioso e interessante recurso narrativo.
 
A utilização das músicas de Roberto Carlos é bastante pontual e efetiva, mesmo que sirva mais para propósitos comerciais que para propriamente narrativos. Neste sentido, a bela trilha original de Berna Ceppas consegue ser mais efetiva que as músicas do Rei na exposição emocional dos personagens.
 
Pecando apenas com uma elipse final que dá uma conclusão atropelada ao filme, “A Beira do Caminho” é uma bela e simples história de duas almas perdidas encontrando juntas um caminho na vida.